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06 setembro 2010

5ª Turma do STJ em posição divergente declara o art. 213 do CP como tipo misto cumulativo.

DECISÃO (www.stj.jus.br)

Quinta Turma adota nova tese sobre estupro e atentado violento ao pudor

A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), mesmo diante da nova lei que trata dos crimes sexuais, manteve o entendimento sobre a impossibilidade de reconhecer continuidade delitiva entre as condutas que antes tipificavam o estupro e o atentado violento ao pudor, hoje previstas apenas como “estupro”.

Ao interpretar a Lei n. 12.015/2009, que alterou a redação dos artigos do Código Penal que tratam dos crimes contra a liberdade sexual, a Turma adotou a tese de que o novo crime de estupro é um tipo misto cumulativo, ou seja, as condutas de constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso, embora reunidas em um mesmo artigo de lei, com uma só cominação de pena, serão punidas individualmente se o agente praticar ambas, somando-se as penas. O colegiado entendeu também que, havendo condutas com modo de execução distinto, não se pode reconhecer a continuidade entre os delitos.

O tema foi discutido no julgamento de um pedido de habeas corpus de um homem condenado a 15 anos de prisão por estupro e atentado violento ao pudor, na forma continuada, contra menor de 14 anos. Isso segundo tipificação do Código Penal, antes das alterações introduzidas pela Lei n. 12.015/2009.

A tese foi apresentada pelo ministro Felix Fischer em voto-vista. Para ele, não é possível reconhecer a continuidade delitiva entre diferentes formas de penetração. O ministro entende que constranger alguém à conjunção carnal não será o mesmo que constranger à prática de outro ato libidinoso de penetração, como sexo oral ou anal, por exemplo. “Se praticada uma penetração vaginal e outra anal, neste caso jamais será possível a caracterização da continuidade”, destacou ministro Fischer. “É que a execução de uma forma nunca será similar a da outra. São condutas distintas”, concluiu o ministro.

No julgamento retomado nesta terça-feira (22), a ministra Laurita Vaz apresentou voto-vista acompanhando o ministro Fischer. Ela foi relatora de processo similar julgado na mesma sessão em que a tese foi aplicada por unanimidade. A ministra ressaltou que, “antes da edição da Lei n. 12.015/2009, havia dois delitos autônomos, com penalidades igualmente independentes: o estupro e o atentado violento ao pudor. Com a vigência da referida lei, o art. 213 do Código Penal passa a ser um tipo misto cumulativo”.

Ainda segundo s ministra Laurita Vaz, “tendo as condutas um modo de execução distinto, com aumento qualitativo do tipo de injusto, não há a possibilidade de se reconhecer a continuidade delitiva entre a cópula vaginal e o ato libidinoso diverso da conjunção carnal, mesmo depois de o legislador tê-las inserido num só artigo de lei.”

A interpretação da Quinta Turma levanta divergência com a Sexta Turma, que já proferiu decisões no sentido de que os crimes de estupro e atentado violento ao pudor praticado contra a mesma vítima, em um mesmo contexto, são crime único segundo a nova legislação, permitindo ainda a continuidade delitiva.

O ministro Felix Fischer considera que esse entendimento enfraquece, em muito, a proteção da liberdade sexual porque sua violação é crime hediondo que deixa marca permanente nas vítimas.

NOTAS DA REDAÇÃO

Em fevereiro de 2010 nos manifestamos quanto à decisão da 6ª Turma do STJ que entendeu a nova redação do art. 213 do Código Penal como crime único em sede do HC 144870.

O HC na ocasião trazia em seu bojo a discussão levada a efeito quanto a forma como antes os tipos de Estupro e Atentado Violento ao Pudor eram vistos, discutindo-se então a aplicabilidade do concurso material de crimes ou ainda a continuidade delitiva.

Pensou-se ter encerrado a discussão por aquela Turma quando entendeu-se que a nova redação atribuída ao art. 213 do CP como tipo único. Contudo com a análise dos precedentes: HC 104724 e HC 78667, percebeu-se que a questão reacendeu-se, submentendo-se então à 5ª Turma a reflexão sobre o tema.

Daí extrai-se do entendimento da 5ª Turma ora em comento que houve posição divergente da 6ª Turma ao compreender que o novo art. 213 do Código Penal que hoje abarca 2 condutas antes em tipos autônomos, consiste em tipo misto cumulativo. Recordemos a nova redação do art. 213 do CP, a qual define quaisquer das condutas como estupro consumado:

Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso: (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)
Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos. (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)

(grifos nossos)
Entende-se por tipo misto cumulativo aquele que prevê mais de uma conduta em seu núcleo típico e a realização de mais de uma das condutas descritas acarreta concurso material, com penas somadas, em face da autonomia das ações delitivas dirigidas aos sujeitos da infração.

Lembramos que o crime material decorre da pluralidade de condutas e da pluralidade de crimes consistente em ofensa a bens jurídicos distintos. Pode ser homogêneo, quando os crimes são da mesma espécie, ou heterogêneo para as hipóteses em que o crime não é da mesma espécie.

Art. 69 - Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplicam-se cumulativamente as penas privativas de liberdade em que haja incorrido. No caso de aplicação cumulativa de penas de reclusão e de detenção, executa-se primeiro aquela. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
§ 1º - Na hipótese deste artigo, quando ao agente tiver sido aplicada pena privativa de liberdade, não suspensa, por um dos crimes, para os demais será incabível a substituição de que trata o art. 44 deste Código. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

§ 2º - Quando forem aplicadas penas restritivas de direitos, o condenado cumprirá simultaneamente as que forem compatíveis entre si e sucessivamente as demais. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

Nesse sentido, manifestou-se a 5ª Turma no sentido de que tratar o art. 213 do CP como crime único seria dar ao fato tratamento leviano, quando de fato as condutas nele previstas causam danos irreparáveis ao ofendido. Nesse sentido é a afirmação da Ministra Laurita Vaz que disse: “tendo as condutas um modo de execução distinto, com aumento qualitativo do tipo de injusto, não há a possibilidade de se reconhecer a continuidade delitiva entre a cópula vaginal e o ato libidinoso diverso da conjunção carnal, mesmo depois de o legislador tê-las inserido num só artigo de lei.”

Aguardemos qual das duas teses irá prevalecer.


24/06/2010-17:30
| Autor: Flavia Adine Feitosa Coelho;

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